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GOLPE, documentário, longa-metragem.


Um filme fala por si e, modo geral, depois de lançado, na relação que se estabelece entre obra e público o autor é um estranho intrometido (público, no caso, qualificadíssimo e na escala de cinemateca, estamos entendidos e contentes). Falas de autores sobre as próprias obras a mim soam quase sempre estranhas. Mas neste caso quero pontuar algumas ideias sobre o documentário Golpe, codirigido e coproduzido por mim e Luiz Alberto Cassol, exibido na Cinemateca Paulo Amorim, em Porto Alegre, em estreia, e antes, em pré-estreia, no Cinebancários.

O filme traz reflexões sobre possíveis e diversas causas e consequências dos eventos históricos envolvidos na derrubada de Dilma Rousseff. Assim, delimitando o campo desde o título, estabelecemos uma relação transparente com o público, porque ninguém será surpreendido com o posicionamento adotado. Até poucos anos atrás, na realização de documentários, buscávamos, como regra no Brasil mais do que nos vizinhos da América Latina, filmes distantes e tendendo à isenção aparente (mesmo que já bem reconhecida a impossibilidade epistemológica do neutro), porém, ao menos a mim as circunstâncias reais tornam necessários filmes políticos e críticos.

Golpe é realizado a partir do nosso engajamento na defesa da democracia. É um filme posicionado, mas independente. Não foi encomendando, nem patrocinado, tampouco faz um discurso unificado ou programático, trazendo diferentes perspectivas e análises frente a movimentos históricos determinantes e atuais. Os fatos tratados são muito complexos, ainda mais quando tão próximos. Também por isso, Golpe não é conclusivo.

Com o passar do tempo, as explicações vão sendo consolidadas. Mas, especialmente no Brasil, nos violentos anos recentes, as novas formas de política, cultura e comunicação, as novas feições históricas e sociais que até bem pouco mal percebíamos (e também um certo torpor despolitizado e ingênuo) tornaram extremamente difíceis de compreender e enfrentar as forças em movimento. Ao tempo dos acontecimentos e profundamente envolvidos com eles, no filme estruturamos uma narrativa que organiza e fixa algumas ideias motrizes (mesmo que intencionalmente inconclusas) na interpretação do golpe de 2016.

Outra premissa é a afirmação e o exercício da possibilidade de uma narrativa de âmbito nacional a partir de nossa localização periférica. Da onde estamos, bem ao Sul, na hoje diminuída Porto Alegre, articulamos uma fala que propõe interpretações ao processo político e social brasileiro do período atual, o que pode não parecer, mas não é pouco nem corriqueiro. A bem da verdade, em breve saberemos o desempenho do filme noutras praças. Também nesse sentido, a nosso favor, vale a máxima incontestável de que documentários são sempre limitados, sempre a melhor solução narrativa encontrada (se bem realizados), em discursos parciais e, mesmo que bem fundamentados, incapazes de esgotar e capturar com exatidão a realidade vivida. Certamente haverá muitos outros filmes sobre o golpe de 2016 e sobre as novas e sombrias feições em que o mundo parece se afigurar no presente. Ao tempo da estreia de Golpe em Porto Alegre, estávamos na torcida pelo Oscar de Melhor Documentário para o excelente #DemocraciaemVertigem, cuja indicação foi enorme força ao cinema nacional e à resistência democrática.

Quem acompanha o trabalho do Cassol (Câncer – Sem Medo da Palavra, Janeiro 27, Todos, Fome de Quê?, Anônimos, Grito, Faltam Cinco Minutos, Tabaré Inácio, Alexandra, ...) e meu (Becos, Terra Prometida, Transversais, Boa Ventura, Saúde, SUS) deve perceber a coerência de Golpe em nossas trajetórias: político, histórico e engajado, mas também interessado e comprometido com a arte de narrar.

Também tenho em mente, neste excepcionalíssimo comentário, os debates dos cursos universitários e livres de cinema, dos quais ex-alunos são destacados profissionais e autores de audiovisual. Mais uma vez entendo que não há fórmulas e que as obras são únicas, sabemos bem, sempre exigindo novas soluções do narrador desacomodado. Neste filme, que considero um audiovisual em parte clássico (talvez não pareça ao menos iniciado), porque é feito de edição e técnica ao modo antigo, trouxemos ao corpo da narrativa a reflexão sobre a forma de saber e comunicação em fluxo e sem raiz em que estamos imersos. Porém, os filmes são mesmo autônomos, se refazendo a cada audiência e formulação que provocam. Cada vez mais me convenço que a voz do cineasta está nos enquadramentos, tempos e cortes - o dito está nas opções narrativas encaminhadas. Não há outro jeito. Bom é o filme capaz de dialogar com o público, em camadas, em aberturas, provocando reflexões, adiantando-se e mantendo a atenção da assistência, é o que sempre se almeja, é principalmente isso.

As exibições em fase de pré-estreia, em 2018, no Cinebancários e na Sala Redenção/UFRGS, a participação no Festival de Cine Político de Buenos Aires, em 2019, a temporada de estreia na Cinemateca Paulo Amorim, em 2020, em Porto Alegre e as próximas janelas previstas cumprem bem o que quisemos na realização: dialogar com o público interessado em interpretar o golpe de 16. Certamente a empreitada é resposta pessoal e engajada que damos. E, quem sabe, se facilite encontrar caminhos eficientes de resistência em tempos tão árduos e críticos à democracia. Para isso, contamos com as reflexões e colaborações de entrevistados de perfis diversos, engajados, protagonistas e provocadores, a quem sempre agradecemos pela confiança. Participam do filme: Benedito Tadeu César, Bruno Lima Rocha, Céli Pinto, Claudir Nespolo, Gleidson Renato Martins Dias, Juremir Machado, Kátia Azambuja, Mario Madureira, Matheus Gomes, Miguel Rossetto, Moises Moisés Mendes, Néstor Monasterio, Priscila Voigt Severiano, Tarso Genro, Vanessa Aguiar Borges e Zoravia Bettiol.

Realizamos Golpe de forma colaborativa. Juntaram esforços de produção: Leco Petersen, Melissandro Bittencourt, Jose Carlos Soares, Josias Salvaterra, Duca Duarte, Luciano Do Monte Ribas, Luciano Gallo, Matheus Castro, Richard Serraria, Guilherme do Espírito Santo, João Francisco, Leonardo Peixoto, Iur Priebe de Souza, Carlos Peralta, Lelei Teixeira.

(Imagens: público no lançamento em janeiro de 2020 na Cinemateca Paulo Amorim, público na pré-estreia em agosto de 2018 no Cinebancários, parte da equipe de realização)

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